EXTRAVIO DE B/L
Temos visto, com certa freqüência, importadores perdendo os originais do conhecimento de embarque marítimo. Diretamente ou pelos seus agentes, despachantes, prestadores de serviços etc. Sendo ele o nosso conhecido e popular Bill of Lading (B/L). Um dos documentos mais importantes do comércio exterior e o mais importante da navegação marítima.
O B/L é um dos dois conhecimentos marítimos que são emitidos, já que existe também o Sea Waybill, este bem menos conhecido e utilizado. E os importadores, naturalmente, vão ter problemas com isso. Tenho dito aos clientes que perder um B/L é uma das coisas que nunca se pode fazer nas operações de comércio exterior.
As pessoas estranham o fato e percebem, então, que nunca deram a devida importância ao assunto. Elas normalmente não têm idéia da gravidade da situação. E podem até pensar que perder um B/L é como perder outro documento qualquer. Perder um conhecimento de embarque marítimo significa não poder retirar a carga após o despacho aduaneiro. Isso quando se consegue fazer o despacho sem sua apresentação, o que deve ser resolvido com a Receita Federal do Brasil (RFB).
Uma vez realizado o despacho e tendo sido a mercadoria desembaraçada, é hora de retirá-la para seu uso. O fiel depositário da carga, para entregá-la, precisa de uma via original do conhecimento de embarque. Ele não a entrega sem sua apresentação e retenção. E o armazém tem de guardar essa via original por cinco anos à disposição da RFB. Se entregar a carga sem o conhecimento de embarque, pode ser penalizado. Conforme artigos 70 e 71 da Lei nº 10.833/03.
É comum se recorrer ao armador para a emissão de um novo conhecimento de embarque. Que, naturalmente, a priori, se recusa a fazê-lo. E com toda a razão, considerando que um B/L é um contrato de transporte, um título de crédito e um recibo de carga.
Com essas condições, em especial as duas últimas, o armador tem toda razão, visto que o B/L vale carga. Ele, tecnicamente, portanto, não pode emitir novo jogo de documento, pois não há duas cargas a serem entregues. Se após a entrega da carga ao dono da mercadoria, o que está com o segundo jogo de B/L emitido, aparecer alguém com o primeiro B/L, o armador terá de entregar nova mercadoria a este. E essa segunda mercadoria, claro, não existe, o que cria a ele um problema sério.
Assim, o armador até pode emitir um novo jogo de conhecimento, porém vai exigir da empresa, normalmente, uma garantia bancária. E, naturalmente, por um valor igual ou maior que o da carga. E, também, com validade longa de, por exemplo, cinco anos. Essa garantia bancária é que vai dar ao armador a tranquilidade necessária no caso de uma segunda pessoa, a que achou o conhecimento extraviado, aparecer para exigir a mercadoria. Ele simplesmente a indenizará em lugar da mercadoria, já que esta não existe para ser entregue.
Portanto, como se vê, o armador tem toda razão. Só existiu o embarque de uma mercadoria. Assim, só se justifica a emissão de um conhecimento para aquela mercadoria. A emissão de um jogo adicional pode trazer ao armador também problemas com o seu P&I Club (Protection and Indemnity Club). Um clube criado por vários armadores, para agir em seus nomes quando necessário.
É comum as pessoas invocarem os Decretos nºs 19.473/30, 19.754/31 e 21.736/32. E anunciarem o extravio por três dias na imprensa. E, com isso, acharem que o armador tem de emitir novo jogo completo de Bill of Lading. É preciso ficar claro que esses três decretos estão revogados, nada valendo. Os dois primeiros em 1991 e o terceiro em 1999. E, mesmo que estivessem em vigor, o armador não seria obrigado a emitir novos originais, conforme já exposto.
É pensamento também do importador, algumas vezes, sugerir recorrer à justiça para obter do armador a emissão de um novo conhecimento de embarque já que ele não quer emiti-lo. Essa é uma atitude sem nexo, pois o armador não está se recusando a emitir o conhecimento de embarque. Ele já o emitiu por ocasião do embarque, portanto já cumpriu sua obrigação. Sua recusa é apenas com a sua remissão, já que não existe a mercadoria adicional.
Assim, descartada a ação legal contra o armador, bem como a sua obrigatoriedade de remissão do conhecimento de embarque, a única opção é a questão comercial. Pedir ao armador, humildemente, que o ajude a sanar o problema da perda do conhecimento. O armador não terá por que recusar a sua remissão e ajudar o importador, conquanto este apresente a ele a garantia de que não terá de entregar nova mercadoria, que não estará em seu poder.
Assim, reiteramos, pode-se cometer muitos erros. Mas nunca o de perder um Bill Of Lading, o que é mortal.
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ENDOSSO DE CONHECIMENTOS DE EMBARQUE
Endosso de conhecimentos de embarque marítimo e aéreo tem sido um assunto recorrente há bastante tempo. E um tanto complicado. Já foi bem mais complicado com o marítimo, mas hoje este assunto é um pouco mais pacífico. Quanto ao aéreo, este sim, a complicação ainda é muito grande.
E os problemas são devidos à falta de conhecimento sobre os referidos documentos. E de um mínimo de leitura. Este é um sério problema no Brasil. Lê-se muito pouco ou quase nada. Mesmo em relação à área profissional e ao que se faz. Justamente por isso tentamos fazer os profissionais compreenderem que é necessário sempre se atualizarem.
Quanto ao conhecimento marítimo há possibilidade dele ser endossado. Mas, não em todos os casos e tipos de conhecimentos. Como se sabe, existem dois tipos de conhecimentos marítimos. Um deles é o popular Bill of Lading (B/L). Com suas variações de intermodal, multimodal e de charter party bill of lading. Tecnicamente o mesmo, apenas para usos diferentes. O outro é o menos conhecido, e pouco usado, o Sea Waybill.
Quanto ao B/L, ele pode ser endossado sob circunstâncias. Qualquer um dos três tipos. Se ele estiver emitido "à ordem" (to order) poderá ser endossado. Não importa se "à ordem", "à ordem de", "à ordem de alguém" no país ou no exterior, ou "a ordem de um banco". Se estiver simplesmente "à ordem", deverá ser endossado pelo embarcador (shipper), pois significa que está "à sua ordem". Se estiver "a ordem de quem quer que seja" deverá ser endossado por esse consignatário.
Portanto, sendo um B/L e estando emitido "à ordem" ele poderá ser endossado sem problema. Conforme artigo 587 da Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Isso mesmo, uma norma imperial. É o Código Comercial Brasileiro, em vigor. Pode-se utilizar também o Código Civil, Lei nº 10.406/02 em seu artigo 754. Assim, um B/L "consignado a alguém" não pode ser endossado. Mas há quem o endosse, e há quem o aceite, inclusive a Receita Federal do Brasil (RFB). Mas não poderia ser feito isso e nem ser aceito.
O Sea Waybill é um conhecimento de transporte marítimo emitido diretamente a alguém, e nunca "à ordem", o que não permite seu endosso. Embora, da mesma forma, há quem o endosse, indevidamente.
Quanto ao conhecimento de transporte aéreo, o AWB - Airway Bill, ou seus derivados em caso de consolidação de carga, o HAWB - House Airway Bill (conhecimento filhote) ou o MAWB - Master Airway Bill (conhecimento mãe) é diferente. Este é um documento que não pode ser endossado. E uma das razões é seu próprio formulário. A outra são as instruções da Iata - International Air Transport Association (Associação de Transporte Internacional).
Em primeiro lugar temos o formulário que, no alto, mais ou menos no meio, podendo ser levemente à direita, no box de nome da empresa, está escrito, claramente, "not negotiable". Isso significa que o documento foi criado não negociável. Assim, se ele próprio está designado dessa forma, não há como negociá-lo. O que significa que não pode ser endossado. É contra sua própria natureza. O consignatário tem que fazer a Declaração de Importação (DI) e retirar a mercadoria.
A segunda questão, que inviabiliza o endosso, é que o documento não pode ser emitido "à ordem". Ele tem que ser emitido consignado "a alguém". No TACT Manual - The Air Cargo Tariff, temos os itens "1.5. Terms - Consigne", e o "2.2. Shipper's Documentation - Consignee".
O item 1.5. reza "the person whose name appears on the AWB as the party to whom the goods are to be delivered by the carrier" (a pessoa cujo nome aparece no AWB como a parte a quem a mercadoria deve ser entregue pelo transportador). O item 2.2. reza "show consignee's full name, street address, city and country" (mostrar nome completo, domicílio, cidade e país do consignatário).
Assim, não é possível endossar um AWB. Embora muita gente, empresas, bancos o endossem. Naturalmente, o fazem de forma equivocada. E, muitos fiscais aceitam, enquanto outros não. Tudo depende do conhecimento da matéria de cada interveniente, importador, banco, fiscal etc.
De quando em quando temos alterações com relação a quem endossa ou aceita. Temos sempre muitas mudanças profissionais na área, e sempre há muita gente nova entrando nela. Inclusive fiscais na RFB. Com isso, temos as variações de ora se aceita e ora não. Com os importadores insistindo que faziam e agora não conseguem mais. Temos a reiterar que tudo é uma questão de conhecimento, de muita leitura, estudo, treinamento, atualizações etc., ou seja, educação na área.